quarta-feira, 28 de outubro de 2009

Soneto Bumerangue

De tempos em tempos.
Vem com as horas e os dias
Todos os nossos carinhos e afetos.

De que importa à nós o tempo?
Quando nos vale apenas o espaço,
De dois em um?

Seguem todos os santos cinco dias.
Penosos e arratados,
Em plenos verborrágios,
De muitos todos acomodados

Temos tempo de sobra pra tudo.
Pra nos sonhar e acarinhar.
Nós, em pleno largo espaço,
Vivemos nosso belo amor sanhudo.

quarta-feira, 14 de outubro de 2009

Sábio é o que se contenta

"Sábio é o que se contenta com o espetáculo do mundo,
E ao beber nem recorda
Que já bebeu na vida,
Para quem tudo é novo
E imarcerscível sempre.

Coroem-no pâmpanos, ou heras, ou rosas volúteis,
Ele sabe que a vida
Passa por ele e tanto
Corta à flor como a ele
De Átropos e tesoura.

Mas ele sabe fazer que a cor do vinho esconda isto,
Que o seu sabor orgíaco
Apague o gosto das horas,
Como a uma voz chorando
O passar das bacantes.

Ele espera, contente quase e bebedor tranquilo,
E apenas desejando
Num desejo mal tido
Que a abominável onda
O não molhe tão cedo."


Fernando Pessoa por Fernando Pessoa


Ps.: Imarcescível = duro

quarta-feira, 7 de outubro de 2009

Experiência



Apesar dos erros, há de se acertar
O alvo, o peito, o brado.
Tudo há de se concretizar
Como o início do fim dum fado.

É possivel, sim,um homem estar errado
Por motivos que ele mesmo desconhece.
Pois se nesses motivos há uma mulher
É esta a única que ele merece.

A dor de estar enganado
É bem pior que a dor da partida.
Porque caso a isso esteja fadado
Nada mais lhe resta na vida.

Mas o caminho do fundo do poço
É um caminho longo, cumprido.
Do qual jamais se espera brotar
Tal amor nunca dantes sentido.

E esse amor queima de arder
Escoriando a quem tocá-lo.
Mas dos que estão no centro seu
Dele, e só dele, hão de morrer.

Porém, por alguma força da natureza
Isso muito nos parece inverso.
De ambos corações, saudosos e calados,
Falta a corajosa e retida destreza.