quarta-feira, 15 de outubro de 2008

Um ano quase dois.

Ali, atordoada ela estava. Sem saber o que fazer perante tamanho e avassalador desejo. Precisava amá-lo, tê-lo em seus braços, prendê-lo em suas pernas. Ser dela. Mas sua timidez, aquela disfarçada pela mocidade, impedia que ela saltasse como um tigre faminto sob seu alvo, que papagaiava distraído sem ao menos se dar conta de que estava sendo observado.


Mas não importava. Ela o teria de alguma forma. Passados alguns dias após uma primeira aproximação, já estavam juntos mas por pura vontade de se avetnurar nesse mundo maravilhoso e desconhecido, e descobrir quem eram as criaturas que nele estavam, fossem elas quem fossem.


Seguia atenta a cada detalhe, a cada movimento e olhar. Vivenciando acima de tudo. Parecia fascinada, como que por encanto por aquele ser magro de olhos fundos e largados. Usava, dia após dia, suas artimanhas para se aproximar cada vez mais dele. Contudo, não sabia que ele era apavorado e inseguro como uma dessas criaturas marinhas de coral, que ao primeiro toque se encolhem e lá ficam até sentirem-se seguras outra vez. Ele não estava acostumado ao ritmo dela. Não era calmo, mas também não era parado. Não era rápido, mas também não era devagar. Era o jeitinho dela. Só dela e que ele, ao que parecia gostava bastante.


Desabituado, acabou cedendo à insegurança que emana de suas ventas e achou por bem acabar com aquele romance de altos e baixos. Ela não acreditava que ele estava fazendo isso. Era impossível! Não depois do que passaram. E ainda assim ele o fez. Com a certeza absoluta de que seriam grandes amigos. E todos sabem que só os idiotas tem certeza do que dizem. Mesmo assim, lá no fundo ela sabia, que de alguma maneira, ele acabaria voltando pra ela.


Deixaram de se falar, como é da natureza humana, que apesar de não poder ser regrada, segue as suas próprias leis. Encantado com o novo mundo, ele continuou seguindo como criança numa loja de brinquedos. Pegando as coisas e descobrindo a mágica de cada um deles. Nem sempre brincando, mas observando detalhadamente. Com o passar dos dias ele foi descobrindo como funcionava aquilo tudo. E lá, num lugar fora do alcance de sua visão, estava ela. Triste, mas esperançosa e entendendo, assim como ele, como a vida funciona e que mesmo depois do leite derramado é importante pensar que a vida continua e que a vaca ainda não morreu.


Passado mais algum tempo, voltaram a se falar e tornaram-se amigos como anteriomente. Talvez até mais. As brincadeiras, as risadas, a alegria, tudo como era antes do primeiro beijo, exceto pra ela, que sentia ainda no peito a vontade pulsando com uma fome sem mesura e acreditando que ele nem desconfiava de nada. De fato, quando se olhamos para o sol ficamos cegos por alguns momentos. E assim ele estava: cego. Cercado de tudo e todos, mas não enxergando o que estava a meio palmo de seu nariz, que diga-se de passagem tinha bem mais que meio palmo. Prosseguiu com sua vida lembrando sempre dela e de todos os momentos que tiveram juntos. E que também andaram tendo depois dessa reconciliação.


Mêses se passaram e acomodaram a amizade entre eles. Sem que se vissem com a mesma frequência, foi deixando-os mais confortáveis as suas condições. Ela mudara muito desde os últimos encontros. E ele? Não mudara tanto assim. Apenas continuava a observar, mas agora sob uma outra perspectiva. Mais sensitiva e perspicaz que antes, porém, ainda bem homepática sobre tudo. Seguiram-se mais alguns encontros não tão homeopáticos quanto a visão dele, e tão intensos quanto a visão dela, mas bem satisfatórios para ambos.


E conforme o ano corria, ela também foi abrindo seu olhar pro mundo de uma forma tão ampla quanto a dele. Destinguiu muitas das coisas que enxergava, tanto de longe quanto de perto. E dessa vez sendo bem mais cuidadosa com suas escolhas sem deixar de ser ela. Única. Os olhos mais vívidos e os passos mais firmes faziam com que ela sentisse a sensatez necessária à loucura. E ele foi se perdendo por um caminho que acreditava ser o certo. Mas, voltou a recorrer ao velho vício de se enganar, vendando os olhos e brincando de cabra-cega como quem troca as roupas íntimas.


Outro ano se iniciava, e o tão esperado reecontro depois de tanto sem se verem. Lá estava ela, tão mudada aos olhos dele, e ele tão o mesmo aos olhos dela. Tentou puxar um assunto aqui, outro lá, mas nada adiantou. Ele estava com uma menina que julgava ser a de seus olhos, e que assim como ele, vivia na mesma velocidade. Ela sabia que com o tempo, iria ruir, mas deixou-o brincar como o de costume. E lá ele foi outra vez, vendando-se e esbarrando com alguém a muito conhecida, mas que também continuava tão igual quanto ele. Desiludiu-se e tentou seguir achando as relações complicadas demais para uma pessoa que possui o dom divino de possuir um pênis e um cérebro, mas pouco sangue para servir a ambos. Enquanto ela continuava a espreitar como todo bom caçador faz, esperando até o momento preciso. E assim ela fez. Afinal, só o cume interessa, não?


No momento certo, declarou suas palavras estratégicamente. E sabia que ele cederia. Na verdade não sabia ao certo, mas não aguentava mais tamanha divisão entre os dois. Estava louca e sedenta como nunca estivera. Mandara todos os sinais possíveis e passíveis de entendimento humano, achando que ele não entendia. Ele, por sua vez, sentiu no ar essa vibração tão voluptuosa, que não sabia onde esconder suas vontades, então engavetava-as no fundo de algum lugar que só ele sabia onde ficava. Assim seguiram por volta de mais alguns dias.


Hoje estão juntos mais uma vez. Sem saber direito qual rumo tomar. Apenas seguem suas vontades e bom senso. Gostando, como sempre gostaram, um do outro. Deixando que o fio da relação se teça sem que estejam regrados pelos enquadramentos que todos conhecem. Os enquadramentos são as regras criadas pelo homem, mas cada coração faz suas próprias leis. Quantos romances já não foram escritos! Quantas novelas! Quantos filmes! E não há nada mais essêncial que a poesia. Sem poesia não há vida! Eles acham saber o que fazem. E você, sabe?

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